O Conto de Romer - Uma flor sem cor


Katharine sempre foi muito quieta. Mesmo com a pouca idade, era bem mais madura que o resto das amigas, era tanto que sempre era tratada com certo desprezo, mal sabia ela que todo aquele desprezo, nada mais era do que inveja, todas queriam ter a cabeça que Katharine tinha, mas poucas conseguiam.
Porém, Katharine não conseguia enxergar essa inveja, pensava ela, ter uma certa anormalidade ou “estranhisse”, se me permitem o neologismo, perante os outros. Katharine desenvolveu uma técnica para não se magoar com tal desprezo, ela simplesmente se isolava, e uma das maneiras que ela fazia isso era com a música...
Nossa personagem não conseguia explicar para si mesma o que acontecia consigo quando escutava música, ela adquiriu a capacidade de ouvir cada nota e cada instrumento isoladamente, ao mesmo tempo conseguia ver o conjunto dos sons isolados que formavam uma coisa belíssima. O seu mundo ficava mais feliz e harmônico, as coisas apreciam se mover até, igual as xícaras e pires do seu conto de fadas preferido, “A Bela e a Fera”, no entanto, Katharine se  identificava mais com a fera que com a bela. Ela pensava ser aquela fera, esperando alguém enxergá-la como bela algum dia.
Não se engane, Katharine não era uma deprimida, apenas não sabia do seu potencial, apenas não enxergava o quão sábia e notável poderia ser.
As suas amigas do colégio a adoravam, mas tinham certo receio de Katharine, ela era aquele tipo de pessoa que ficava na maioria das vezes calada, mas quando falava, quebrava qualquer argumento, não deixando espaço para futuras queixas a respeito do que ela falava. Ao mesmo tempo ela era doce, seus gestos e suas poucas palavras transmitiam segurança e bondade.
A única pessoa com quem Katharine se sentia realmente bem era sua mãe. Com sua mãe ela falava e falava, poucas vezes era tudo completamente verdade, mas o que importava para Katharine era que ela a ouvisse. No caminho para o colégio, por exemplo, falava sobre seus sonhos da noite anterior e os desejos que queria realizar, gostava tanto, que até abandonava um pouco a sua música.
Sua mãe era um modelo para ela, e era a sua mãe o seu maior medo, talvez por isso conversasse tanto com ela, como que para não deixar que sua mãe também a despreze. Katharine nunca voltava de carro do colégio, ela já fazia sua parte no caminho de ida. A volta era só dela. Como ela gostava da volta.
No caminho, havia um terreno baldio que Katharine descobrira sem querer em um dia que voltava do colégio. Da rua não se conseguia ver dentro, havia um muro velho e sujo separando-o da rua e da vista das pessoas, porém no canto havia uma porta de ferro, totalmente enferrujada, que com um jeitinho conseguia ser aberta. Nesse dia em que descobriu o terreno, decidiu dar um jeitinho para empurrar a porta e entrar. Quando entrou se deparou com um terreno abandonado sem nenhuma construção, somente algumas árvores e mato. Quando caminhou mais um pouco, as árvores foram ficando para trás, deixando lugar para uma vista incrível. Era uma gruta, que dali dava pra ver praticamente toda cidade. Katharine olhou ao seu redor e percebeu que aquele lugar a deixava confortável. E surgiu a idéia de transformar aquele lugar num cantinho só seu, pensou em plantar algumas flores e aparar uns matos mal posicionados, essa idéia lhe veio à cabeça, parte por causa da música que estava passando no seu fone, era uma música pesada e animadora, como as dos filmes de aventura do Indiana Jonnes. Essa música fez com que brotasse um espírito aventureiro e desafiador em Katharine naquele momento, ela estava cheia de idéias.
A partir daquele dia, era pra lá que Katharine ia todos os dias depois do colégio, nunca havia levado ninguém lá. Nessas alturas já haviam muitas flores ali, plantadas por Katharine. Ela chegava, deitava e olhava as flores e o céu, tudo isso banhado por uma trilha sonora estonteante!
Katharine adorava as flores, elas tinham uma beleza única. Katharine quando olhava, percebia formas tão delicadas. As cores iam mudando de forma natural, tinham umas que começavam num vermelho vivo e terminavam num branco lindo. Entre o vermelho e o branco haviam centenas de tonalidades que iam se amontoando ali Ela pensava que as cores se reuniam e emprestavam sua beleza as flores. Outra coisa que a encatava eram os cheiros, cada flor tinha um cheiro único. Como se cada uma tivesse vida própria. Ela pensava que se houvesse um mundo das plantas, as flores deviam ser aquelas madames pomposas e charmosas que exibiam sua beleza com vestidos caros, com cores raras e perfumes importados de algum lugar do mundo.
Katharine deitava no gramado e olhava para o Céu. Ele era tão encantador quanto as flores, mas possuía uma beleza diferente, ele tinha uma beleza infinita, assim como o mar, era isso que fascinava Katharine, por mais que ela tentasse, nunca conseguia ver o seu fim. Aquilo a deixava relaxada e extremamente feliz. A idéia de uma coisa infinita era  um máximo para ela. A grandeza do céu comparado ao resto da cidade e a ela, deitada ali.
Katharine possuía cabelos ruivos e cacheados, quando deitava no gramado, vista de cima, parecia uma flor. Katharine era uma flor, uma flor que não tinha ciência da sua beleza, das suas cores, e do seu perfume.
Quando saia dali, seu coração batia lento, sua respiração era calma, e até o seu andar era vagaroso.
Na cabeça de Katharine, sempre havia alguém na sua frente, com mais importância que ela; a Lorena, sua melhor amiga; suas primas; seu irmão; suas amigas da aula de violino; sua mãe. Enfim, todos pareciam estar sempre um passo a sua frente.
Hoje, Katharine foi acordada por Lorena, que dizia que hoje era o dia das meninas e todas iam faltar ao colégio e ir para sua casa fazer uma festinha particular. Katharine sabia que não teria como negar,  já que se assim o fizesse, teria que ouvir horas e horas de argumentos persuasivos, então, decidiu aceitar. Sua mãe a deixou no colégio como de costume, mas Katharine não entrou, foi para a casa da Lorena.  Quando chegou, lá estavam as meninas, naquele momento ela pensou que a sala de aula só devia ter meninos naquele dia.
Chegaram mais umas 3 meninas e a festa começou. Katharine não bebia nunca, gostava de manter o controle de si mesma. Porém, suas amigas não se conformavam com isso, então, combinaram de falar que o suco não tinha nada alcoólico, o que deixou Katharine, quase que imediatamente, embriagada. Todas estavam rindo e conversando sem notar muito Katharine, que parecia estar em outro mundo. De repente, Katharine se levanta, coberta com um lençol, cambaleia um pouco, sobe encima da cama e fala:
- É uma flor que não tem cor...
Nesse momento todas se calam e olham para Katharine, vista de baixo, Katharine parecia uma Deusa, com o lençol cobrindo seu corpo e seus cabelos ruivos caindo sobre o ombro. Nenhuma delas nunca havia visto Katharine com aquele olha, era um olhar avassalador, ela olhava uma por uma, como uma Rainha. Seu olhar penetrava em todos os olhares do quarto, as meninas permaneceram em silêncio, quando Katharine voltou a falar:
- Uma flor sem cor...
Sua voz estava numa tonalidade calma e tenaz. Então recitou:
- “É uma flor, que não tem cor, menina que mulher cresceu, dá o seu amor, a quem nunca lhe deu, alegre e divertida, sorri e ama a vida, se a tristeza lhe invade o coração, aos seus amigos nunca diz que não, espalha a sua alegria, com o sorriso contagioso, quando começa o seu dia, tem um olhar amoroso. Ela canta o sol que tem na alma é uma flor de ser feliz vai a beira mar em tarde calma e ouve o que ele lhe diz.”
O silêncio invadiu novamente o quarto, as palavras de Katharine soaram de forma firme e lívida pelo quarto. Katharine despertou um pouco do transe, olhou em volta de si mesma, e caiu desmaiada no chão.
As meninas ficaram enlouquecidas, nenhuma delas era acostumada a beber, a mais velha era Lana, que tinha 14 anos. Lorena manteve a calma depois de alguns instantes e decidiu ligar para Lucas, seu irmão mais velho. Quando ele chegou, disse que era melhor levá-la pra casa, dessa forma ela dormiria e depois estaria melhor.
Quando Katharine, Lorena e Lucas chegaram a casa de Katharine, a porta estava fechada, mas perceberam que ao lado tinha uma janela entreaberta, então, Lucas decidiu entrar pela janela para abrir a porta por dentro, e assim fez.
Quando entrou, a casa estava escura, todas as cortinas estavam fechadas, ele trepidou um pouco até a porta e conseguiu abrir. Quando elas estavam entrando, Katharine começou a acordar. Seu olhar parecia muito assustado e desorientado. Ela olhou em volta, viu que estava em casa e imediatamente entrou em pânico, largou os braços de Lorena e cambaleou até a mesa do centro. Acontece que seus braços fracos não agüentaram o peso do seu próprio corpo e caíram por cima da mesa que tombou para o lado, derrubando um vaso de vidro, o qual imediatamente, cortou Katharine.
 Nesse mesmo instante, sua mãe chegou em casa, ficou horrorizada e assustada, pois não conseguia identificar o que estava acontecendo ali. Depois de alguns instantes se deu conta de quem eram aquelas pessoas, e que sua filha estava ensangüentada e caída no chão da sala.
- O que está acontecendo aqui , Lorena!?
- Tia... ela caiu por cima da mesa e se cortou!
- Meu Deus! Vamos agora pra o hospital! Lorena! Ajude-me a procurar o cartão de saúde dela, está aqui em alguma dessas gavetas! Rápido!
Enquanto Lucas carregava Katharine nos braços até o carro, elas reviravam as gavetas a procura do cartão de saúde. De repente, Lorena achou o cartão, então, imediatamente, ambos saíram as pressas para o hospital, esquecendo, inclusive de fechar a porta de casa.
- Meu Deus! Meu filho não atende o telefone!
-Liga pra algum dos amigos dele, tia! Pode ser que eles saibam onde ele está!
-Boa idéia!
Katharine não conseguia identificar direito o que estava acontecendo, tudo estava turvo e girando sem parar, escutava a voz da sua mãe, mas não conseguia identificar o que ela falava. Katharine pensou. –Se concentra, você consegue!
Até que, enfim conseguiu identificar algo, era sua mãe, falava ao telefone.
- Alô? Clara? Quem está falando é Samantha meu bem. É o seguinte, Katharine tombou e se cortou no vaso da mesa e eu estou a levando pro hospital. O Romer não está atendendo ao telefone! Tem como você tentar encontrá-lo pra avisar? Obrigado, filha. Beijos.
Clara estava mais ciente do que estava acontecendo a sua volta. Tudo agora parecia mais claro. Só o cheiro do hospital era o que não estava lhe agradando muito. Lembrou do episódio no quarto de Lorena, lembrou como cada menina te olhava, lembrou das suas expressões olhando pra ela. Naquele momento, no hospital, ela estava sã. Estava sã como nunca antes esteve. Os sedativos estavam lhe dando uma nova perspectiva sobre si mesma. O mundo ao seu redor parecia mais leve.... Mais calmo. Naquele momento ela percebeu que ela poderia mais... que poderia ser uma rainha, uma madame.... uma flor.