- Romer! Romer!
Com um dos braços ainda dormentes, Romer acordou! Ainda sem se mexer ele sabia que aquele dia era diferente, não sabia por que, só sabia que tinha algo de estranho nele. Ainda na mesma posição , porém com os braços um pouco menos dormentes, Romer pensou...
Aquele era um dia comum, igual a todos os outros, pelo menos era o que Romer pensava. Estranhamente ele não conseguia se mexer, ele estava triste, só havia coragem pra pensar. E Romer pensou..
Naquele manhã normal, daquele dia normal, Romer se lembrou do Back. Back era o seu cachorro, um dos cachorros mais comuns que existiam. Fazia um mês que ele havia morrido, até aquela manhã Romer não tinha mais pensado sobre ele, pra falar a verdade Romer nem ficou muito triste com a sua morte, porém sem nenhuma explicação, a imagem de Back veio a sua cabeça.
Romer tentou em vão se lembrar como o Back tinha chegado a sua casa, fazia muito tempo, ele só lembrava que o Back tinha sido de uma tia sua que ele nem lembra mais o nome.
Então Romer olhou para si mesmo, ele percebeu que estava em paz, percebeu que pensar quando acorda era uma forma legal de começar o dia, pensou em fazer isso todos os dias. Romer pensou em ajustar o despertador para dez minutos antes, pra que todos os dias ele pudesse pensar em algo antes de levantar. Romer pensou na torta de pêssego que sua tia fazia quando ele passava as férias na sua casa em Sebastiano. Lembrou do cheiro da torta quando ele e seus primos chegavam da rua antes do jantar.
Romer conseguiu ver, olhou em volta do seu quarto, percebeu que nunca tinha prestado atenção nos detalhes. Percebeu que cada detalhe formava um todo único que era só seu, percebeu que as partes, antes meramente partes, quando juntas, faziam parte de algo maior...algo seu.
Romer normalmente é um cara divertido, aquele tipo de pessoa que gosta de ser notado pelos outros, que gosta mais de falar que ouvir, porém naquela manhã, Romer não sentia vontade de falar absolutamente nada. Ainda sonolento Romer entrou no banho, ligou o chuveiro e ainda sem coragem entrou devagar...a medida que ia entrando, ele sentia cada pingo de água encostando a sua cabeça. Foi ai que ele percebeu o quão relaxante era tomar banho, pensou em fazer isso todos os dias, pensou que poderia acordar mais cedo para poder demorar mais no banho.
A imagem de Back veio novamente a sua cabeça, dessa vez ele pensou no que teria de tão especial no Back pra ele está pensando nele agora. Ele era só um cachorro, não tinha nada de incrível, fazia sempre as mesmas coisas...
Quando desligou o chuveiro, de repente tudo ficou mudo. Romer nunca tinha percebido como era silencioso quando a água parava de bater na sua cabeça. Ele ficou alguns instantes ali. Parado. Apreciando o silêncio. O estranho é que Romer nunca tinha parado pra pensar se gostava do silencio ou não, sua cabeça estava sempre ocupada com outras bobagens pra ele se preocupar com o silêncio. Então Romer pensou que ele nunca parava de pensar, pensava o tempo todo, por maior que fosse a bobagem, ele estava sempre pensando, e isso o deixou de certa forma, cansado. Decidiu então, não pensar em nada.
- O que é nada? Eu tenho que silenciar minha voz interior....Será que minha voz interior tem algum timbre? Como eu posso ouvi-la e não saber como é?
De repente percebeu que estava pensando! Não tinha como não pensar em nada... então decidiu não pensar mais sobre isso.
Resolveu apreciar um pouco mais o silencio do chuveiro desligado...
- Onde será que o Back está agora...ele pensou, será que ele gostaria de ser lembrado? E tudo que ele fez? Será que nada daquilo vai ser lembrado por alguém? Ele vai simplesmente desaparecer...sua imagem vai ser esquecida aos poucos, o seu latido, os seus feitos...
- Como ele pode simplesmente desaparecer? Isso não é justo...
Os pensamentos de Romer foram interrompidos pela voz irritante da sua mãe gritando o seu nome, que naquele momento soava de uma forma estranha. Então Romer percebeu que não gostava do seu nome.
Antes de sair do banheiro, Romer tomou uma decisão, naquele dia ele iria ser um observador, ele iria pensar, pensar sobre coisas que nunca tinha antes pensado, olhar o Mundo de forma diferente, olhar o que era comum, de forma incomum...
Romer fez isso com quase tudo, ele era um pensador...pensou sobre o Cereal do café da manhã, sobre o formato côncavo da colher e de suas pequenas bordas dobradas que nunca deixavam o leite cair, por mais cheia que estivesse, o leite ficava preso por uma camada muito pequena de “borda de colher”, foi esse o nome que Romer deu a pequena superfície que não deixava o leite cair. Pensou sobre o cinto de segurança, sobre material extraordinário de que ele era feito, nunca rasgava, não importando o tamanho do impacto.
No caminho para a escola, como era de costume, Romer colocava o fone no ouvido pra não ouvir as conversas da sua mãe e da sua irmã, que sempre acordavam em estado de alerta, como se tivessem tomado algum tipo de energético alienígena.
Quando Romer colocou o fone no ouvido, ele olhou para sua irmã...parecia que ela se movia no ritmo da música, meio que em câmera lenta, ele não conseguia ouvir o que ela falava, mas notou o jeito como sua boca se movimentava, as expressões, as vezes de surpresa e as vezes de raiva que seus olhos ficavam. Ele percebeu como os seus olhos mudavam de sentimento com facilidade, porém de forma harmônica. Naquele instante ele se imaginou surdo. Como seria calmo e tranqüilo.
Romer então, se virou para o lado de fora do carro, pela janela ele via o mesmo caminho que passava todos os dias, mas nesse dia, o caminho não era o mesmo, ele estava estranhamente diferente. Olhou para a calçada, ela estava um pouco molhada, tinha chovido a noite, a cor do asfalto estava mais escura por causa da água, Romer achou aquilo bonito.
A ida para escola parecia um daqueles documentários chatos que Romer nunca assistia porque nunca tinha nada, só imagens e músicas. Só naquele momento ele percebeu como pode ser bonita essa combinação.
Já perto da escola, eles passaram por uma praça. Ela estava deserta e úmida. Não tinha muita coisa de especial, só um campo velho de basquete coberto por uma grade de ferro, algumas árvores, e mais atrás um banco velho que caberia umas 3 pessoas, antes branco, agora de uma cor que lhe lembrava a cor do seu tênis quando sujava de lama.
Aquela praça nunca tinha chamado a atenção de Romer, mas naquela manhã ela estava linda. De certa forma Romer se identificou com ela, ele percebeu que eles eram parecidos. Ambos eram solitários.
O dia estava nublado, Romer gostava de Sol, de praia, de esportes, mas naquele dia o que ele menos queria era ver o Sol.
Romer percebeu como um dia nublado pode ser bonito.
