O conto de Romer - O vento


Romer ficou muito triste depois da descoberta de que o ser humano é tão egoísta. Ficou muito desapontado por saber que até ele próprio se importava muito mais com ele do que com todos os outros.
Na hora da saída do colégio, logo depois do episódio do “desmaio”, todos já estavam com os ânimos mais calmos. Romer, como sempre, caminhava lentamente pelo corredor do colégio, estava tão atordoado que não sabia onde a Clara e o Pôca estavam. Romer estava imerso em seus pensamentos, pensava em como as pessoas sentiam prazer em falar umas das outras, parece que quando maior o desastre, mais empolgante é espalhar a notícia. Ninguém ficava empolgado em relatar o fato de que um passarinho pousou num galho de árvore, afinal isso era um fato corriqueiro. Mas era certo de que, se algum animal tivesse abocanhado o passarinho, todos procurariam a primeira pessoa que encontrassem pra falar da tragédia que presenciaram.
Romer pensou em como as pessoas podem ser tão cruéis, ele era o assunto do momento do colégio, amanhã provavelmente a vítima seria outra pessoa. O que nós mais queremos é sermos ouvidos, mas na maioria das vezes, o que menos nos interessamos é em ouvir. Parece que todos só querem ser notados de alguma forma, buscamos sempre fazer os outros rirem, queremos sempre que nossos problemas e nossas situações sejam reconhecidos.
- Olha por onde anda, cara! Falou um garoto que Romer só conhecia de vista, nunca havia falado com ele, achava que o nome dele era Cosme, mas não tinha certeza.... Bem, não importava. Romer trombou nele enquanto pensava sobre o egoísmo humano.
O que Romer achava mais triste, era que ele também fazia parte dessa “massa humanóide egoísta.”
Sua mãe já estava o esperando na saída do colégio, mas Romer preferiu ir a pé, inventou que precisava passar na casa do Pôca pra lhe falar uma coisa. Mas na verdade o que ele queria era caminhar um pouco e pensar.
Romer estava caminhando, quando passou por um surdo-mudo, Romer pensou em como essa palavra era feia, se fosse um surdo-mudo não gostaria de ser chamado assim, preferiria ser chamado de outra coisa, se bem que ele não iria escutar nada mesmo...  Aquele rapaz se comunicava com uma mulher que parecia ser sua mãe. Romer nunca tinha parado pra pensar na mente de um surdo-mudo de nascença. Como será que ele raciocinava? Em que língua ele pensava? Romer imaginou que ele tinha uma língua própria, assim como o inglês ou o espanhol. A xícara, o bolo, a praia.... Tudo isso devia ter outro nome na cabeça deles.
Romer continuou andando até passar pela frente daquela praça com o banco “branco-tênis”, não pensou duas vezes, foi até lá... Tinha algo naquela praça que o deixava tranqüilo. Romer pôs a mochila no canto do banco e deitou com a cabeça encima dela. Dali, ele tinha uma visão diferente, as árvores vistas de baixo com os galhos se movendo e o céu como fundo formavam uma vista única, assim como nas capas de caderno.
De olhos fechados, Romer conseguia ouvir o barulho da cidade, mas naquele lugar, a cidade parecia mais distante, como se ela pudesse ser observada de longe.
Romer olhava o vento batendo nos galhos das arvores e imaginava como ele seria... Pensou como o vento era interessante, percebeu que nunca tinha parado pra pensar sobre ele. O vento é tão importante, possui uma força incrível, mas mesmo assim consegue ser sutil. Romer pensou que o vento é eterno... Ele não tem começo e nem fim, vai estar sempre indo para algum lugar, mas esse lugar nunca vai chegar. Pensou que o mesmo vento que passa por ele agora, poderia ser o mesmo que passou por Galileu Galilei quando anunciou o princípio da Inércia, ou pode ter sido o vento que passou por Kennedy quando a bala atravessou seu corpo, ou até mesmo, o vento que passou por aquela moça, momentos antes dela se jogar daquele prédio... Aquele poderia ter sido o último ar que ela respirou... O vento se mostrou muito mais atraente para Romer, do que jamais parecera. Romer imaginou naquele momento, como seria tudo, se o vento tivesse uma cor diferente a cada mudança de clima, hora ficasse azul, hora amarelo... Tudo seria mais bonito.
Romer sentiu certa pena do vento, pois sabia que o que sempre nos dá satisfação é a esperança de se chegar aonde queremos ir, porém, o vento nunca iria chegar a lugar nenhum, era como se estivesse numa busca eterna e nunca conseguisse chegar num final. Ao mesmo tempo em que sentiu pena, sentiu um pouco de inveja. O vento era como uma pessoa determinada, um romântico, que nunca desiste de buscar aquilo que acredita. Romer tinha o costume de nunca terminar nada direito, talvez por isso não fosse ótimo em nada, talvez fosse por isso que era mais ou menos em tudo, como se não tivesse nascido pra nada, diferente daquelas pessoas que buscam um sonho e lutam por ele.
Romer pensou que se pudesse ser algum animal, seria uma águia, um falcão peregrino. Romer sempre pensava em como seria lindo e libertador ser dono do seu próprio destino, ver tudo do alto, viver sem fronteiras, ter o vento como seu aliado... Como seria lindo ser uma águia. Viver nas alturas era um sonho de Romer, sempre quando estava em um lugar onde pudesse ver as coisas de uma perspectiva diferente, do alto, sentia-se bem e relaxado. Talvez, se fosse uma águia, seria sempre feliz.
O tempo se passava e Romer se deu conta que já estava a muito tempo deitado ali, aquele lugar fazia com que ele libertasse a sua mente. Pensou em passar na casa do Pôca antes de ir pra casa, precisava de uns conselhos dele para inventar uma desculpa para ir ao acampamento. O Pôca tinha uma incrível habilidade de se safar de situações difíceis, sua mente inventava as mais mirabolantes saídas para os problemas, além disso, ele estava com fome, precisava comer algo, então, se levantou e caminhou lentamente até a casa do Pôca.
Pôca morava em um prédio muito grande, o apartamento em si era muito pequeno, mas ele não precisava de mais, seus pais moravam no interior e ele ficava só em casa. Porém, o prédio continha muitos apartamentos organizados ao longo dos seus 25 andares.
“Edifício Ventos do Sul”, era o nome do prédio, Romer deu uma risadinha com o canto da boca, aquele nome lhe parecia bem sugestivo. Depois que a entrada foi autorizada, dirigiu-se até a frente da porta do elevador apertou o botão. Romer deve ter ficado ali uns 10 minutos, eram 3 elevadores sociais, mas a quantidade de moradores era muito grande, então, demorava muito até que o elevador chegasse ao térreo. Quando o elevador chegou,  Romer entrou, entraram também mais umas 4 pessoas, apertou o botão do 14º andar e o elevador começou  a subir.
Romer ficou observando as pessoas que entraram com ele, era engraçado como ninguém olhava para ninguém durante o trajeto, era uma situação meio inconveniente, as pessoas não sabiam para onde olhar, umas olhavam para os próprios pés, outras olhavam para a tela contendo o andar o qual o elevador estava passando. Um senhor tentava desviar o olhar dos peitos da senhora que estava de frente para ele, enfim, parecia que era proibido olharem uns para os outros. Romer começou a fazer careta, fez uma cara como se estivesse algo fendendo, deu língua a todos, mas ninguém notou, estavam muito preocupados em não olhar para ninguém para perceberem alguma das caretas de Romer.
A primeira coisa que fez quando chegou ao apartamento de Pôca foi pedir algo para comer, estava morrendo de fome.
- Pôca, preciso da tua ajuda pra inventar alguma desculpa pra não ir pro aniversário do meu avô, vai ser no mesmo fim de semana do acampamento e eu não posso faltar.
- Pô, Vamos pensar em alguma coisa. O que o seu avô mais admira em você? O que dá mais orgulho a ele?
- Ahh, meu avô sempre adorou água, acho que isso foi uma das poucas coisas que eu herdei dele, inclusive, eu só entrei na natação por que meu avô praticamente obrigou meu pai a me matricular. Ele foi campão de natação quando era jovem.
- Está decidido, Romer, próximo final de semana você vai competir nas regionais de natação!
Aquela era a desculpa perfeita! Seu avô jamais iria achar ruim ele deixar de ir para o seu aniversário para  ir a um campeonato, seu avô sempre falava que um bom atleta tinha que ser, antes de tudo, disciplinado. Além do mais, os seus pais não iam faltar o aniversário do seu avô para assistir ao campeonato, eles nunca assistiam mesmo. Mas Romer não ligava, ele não era dedicado, na verdade só competia porque sabia que seus pais não estariam lá para se decepcionar.
Romer tinha uma grande admiração por Pôca, ele era uma pessoa incrível. Seus pais eram donos de inúmeras terras no interior, mas mesmo assim, Pôca não se deixava levar pelo dinheiro, era sempre humilde, fazia sucesso com as garotas, era muito inteligente, apesar de não está nem ai para as notas, nem pro colégio. Romer até sentia um pouco de inveja dele as vezes, na verdade não era inveja, era pura admiração. Eles eram amigos desde criança, Pôca sempre foi mais alto e mais forte que Romer. Eles se conheceram quando Romer estava prestes a levar uma surra de outros moleques, daí Pôca o defendeu e botou todos para correr, desde então, os dois sempre andam juntos. Essa era outra característica de Pôca, o instinto protetor, ele nunca deixava nada acontecer a quem amava.
Romer devorou o prato de filé com purê de batatas e arroz enquanto Pôca e ele combinavam os detalhes do plano.
Era hora de ir pra casa, Romer se despediu e seguiu o seu caminho de volta, precisava de um banho. Não morava muito longe, só a algumas quadras dali.
Quando Romer chegou em casa, já era quase noite. Caminhou em direção a porta, havia algo errado, a porta estava entreaberta, aquilo nunca acontecia, Samantha nunca deixaria a porta de casa aberta ou o tapete da sala sujo. Romer entrou, estava tudo escuro, mais uma coisa errada, antes mesmo de começar a escurecer, sua mãe acendia todas as luzes da casa, ela não gostava do escuro. Romer acendeu a luz da sala e o que era estranho se confirmou. No chão havia sangue, as gavetas da sala estavam todas abertas e haviam uns papéis espalhados pelo chão. Romer gritou. – Tem alguém em casa!?
Silêncio.
Um arrepio cobriu o seu corpo da cabeça aos pés, seu coração disparou. O medo aumentou quando viu uma poça de sangue no canto da sala e estilhaços de vidro espalhados pelo chão.
- Tem alguém ai!?
Silêncio.
Romer imediatamente pegou o seu celular no bolso da calça, só agora havia percebido que estava com a bateria descarregada. Então, cortando o silêncio de forma assustadora, o telefone de casa tocou.
Era, Clara, tinha notícias a dar.