sexta-feira, 28 de junho de 2013

Eu.

LINHA 738
ALTO DO FREI/CENTRO
SEGUNDA-FEIRA - 28/06/2013, 17:38 hrs
   No 36° ponto, perto da Avenida Pedro de Cântaro, duas ruas depois da Padaria Santo Amaro e quase em frente a casa do Senhor Matias, acaba de subir no ônibus, Geo, ainda ofegante, pois teve que correr quase uma quadra para alcançar o ônibus, o que é considerado muito para um senhor da sua idade, pelo menos era disso que ele se convencia para não ter que praticar mais exercícios.
   - É a idade chegando! Disse Geo para o motorista desconhecido, que não o olhou nos olhos e apenas falou, balançando a cabeça.
   - Você supera...
   Voltando a olhar pra frente logo em seguida.
   Geo achou aquela atitude um disparate, uma tremenda falta de educação. Inclinou a cabeça para frente para enxergar o nome do motorista mal educado. Josivaldo, era o nome dele. Memorizou para algum dia poder reclamar com alguém.
   Geo tinha um hábito de cumprimentar a todos com quem tinha qualquer contato.
   Ao cumprimentar o cobrador do ônibus, imaginava os nomes dos pais do Josivaldo, pensou que deveria ser Josinete e Edivaldo, logo em seguida procurou algum lugar para sentar.
Dentre os poucos lugares vagos, escolheu sentar ao lado da pessoa que lhe parecia ter o melhor cheiro. Viu uma senhora bem apessoada, que parecia estar higienizada, sentou-se, então, ao seu lado.
-Boa tarde, falou Geo à senhora sentada ao lado.
-Fico enraivecido com esses motoristas de ônibus! Não têm nem um pouco de cordialidade! Ainda mais com as pessoas de idade! O nome desse aí é josivaldo. falou o velho à senhora que parecia não se importar tanto com suas reclamações.
- Fui brincar com ele, falando que com a nossa idade não temos mais o mesmo pique de antes e o abusado só falou que eu iria superar! Superar o que, meu senhor?! daqui pra frente eu só vou piorar! Quando esse talzinho tiver a minha idade vai saber como é ser tratado assim...
O velho estava tão revoltado com a história que contava, que não tinha percebido que já há um tempo, a senhora não mais prestava atenção no que ele falava. Ela olhava a janela distraída e definitivamente não estava mais ouvindo nada.
Isso foi o fim para Geo! A senhora havia o deixado falando sozinho!
-Estou vendo que essa falta de educação não é só em motoristas de ônibus... resmungou o velho.
Depois do acontecido, decidiu não conversar mais com aquela senhora indiferente.
Após algum tempo, viu que faltavam dois pontos para chegar ao seu destino, então, como de costume, levantou-se e foi em direção à porta.
Geo sempre levantava quando ainda faltavam dois pontos para chegar. Tinha medo de não chegar a tempo até a porta da saída.
Quando estava chegando à porta, notou uma menina sentada na ultima fileira do ônibus.
-Que menina mais mal vestida! Parece não ter espelho em casa! se fosse minha neta, daria um banho de loja e de perfume nessa menina! Pensou o velho.
Enquanto esperava, notou que a menina olhava pra fixamente pra ele...
-O que essa menina tá olhando!? Parece que não dorme a duas noites! deve ser uma drogadinha viciada, dessas que andam por ai hoje em dia! Falou consigo mesmo.
Finalmente chegou o ponto em que Geo ia descer. O velho olhou pela ultima a menina sentada na ultima fileira e pensou.
- Essa é a pessoa mais esquisita que eu já vi. Ainda bem que não é minha neta... sentiu-se até melhor com isso.

LINHA 738
ALTO DO FREI/CENTRO
SEGUNDA-FEIRA - 28/06/2013, 15:00 hrs

Josivaldo entra no ônibus que dirige todos os dias. Como de costume, faz a checagem do veículo, mas naquele dia a checagem não foi bem feita. Jovisaldo não parava de pensar na sua filha.
O motorista amava sua filha mais que todas as pessoas e coisas do mundo. O sorriso dela era inspirador... Josivaldo sentia vontade de dar o mundo à ela, mas sabia que não poderia dar. Na verdade, nem um quarto só pra ela, com beleza suficiente para fazê-la sorrir, ele poderia dar.
Era  por sua filha que Josivaldo trabalhava além do que podia, fazendo jornadas seguidas de trabalho.
Hoje seria o dia em que Josivaldo iria receber o aumento prometido pelo chefe. No entanto, seu chefe o informou que não poderia dar o aumento prometido...Josivaldo, numa tentativa de amolecer o coração duro e infeliz do chefe, contou do sonho de reformar o quarto de sua filha e o quanto tinha 
trabalhado por isso.
O chefe, por sua vez, não esboçou nenhuma emoção e limitou-se a falar.
-Você supera...
Por isso aquele não era um bom dia para Josivaldo. O motorista não conseguia parar de pensar na frase que seu chefe disse.
-Você supera... repetia para si mesmo...
Em certo momento, subiu no ônibus um senhor ofegante... falou alguma coisa, mas Josivaldo só pensava na sua filha, no seu sorriso, no seu quarto e no mundo que queria dar a ela...
Algumas cadeiras atrás, estava sentada Gorete... com seus cinquenta e tantos anos, não imaginava estar passando por isso... Gorete estava voltando do hospital, como fazia todos os dias. Seu marido tinha uma doença degenerativa, já estava há dois anos na UTI. Mesmo sabendo que seu marido não tinha chance alguma de cura, tinha que estar ao seu lado todos os dias... não podia abandoná-lo. Sabia que se ela perdesse a fé, seu marido não teria mais ninguém para apoiá-lo.
Por isso, há dois anos, todos os dias, Gorete vai ao hospital, vê seu marido, e quando ele está acordado... ela sorri. É a única coisa que ela pode fazer... o dia que ela deixar de sorrir, vai ser o dia em que ele saberá que tudo acabou. Por isso, sempre que vê seu marido, Gorete abre o sorriso mais esperançoso e acolhedor que  consegue.  Ela sorri enquanto olha pra pessoa que um dia teve o sorriso mais cativante e sincero que já viu. Enquanto lembra do sorriso que a fazia feliz e plena...
Gorete gastava tanta energia com o seu sorriso triste, que não sobrava espaço para as pequenas delicadezas do dia-a-dia, como ser simpática com uma pessoa que você nunca viu, por exemplo. Foi o que Gorete pensou quando um senhor sentou ao seu lado reclamando que de alguma coisa... Ela simplesmente não tinha  forças para sorrir e conversar. Só pensava no sorriso que um dia foi seu... e que o tempo, lentamente tirou dela...
Sentada na ultima fileira estava Alice. Como todos os dias, Alice estava triste. Se achava a pessoa mais triste do mundo... Por mais que ela tentasse, não conseguia ser quem desejava. Na verdade, são tantas pessoas desejando que ela seja algo, que nem mesmo ela sabe o que deseja ser... Uma coisa ela tinha certeza... ela não era feliz. Para Alice, tudo era exatamente como não deveria ser. A menina da ultima fileira, por mais triste que fosse, tentava ver a alegria nas coisas. O problema é que ela nunca conseguia... pensava que todas as coisas eram tentativas frustadas de alegria... Via namorados andando abraçados e o namorado olhando a bunda de outra... ambos eram infelizes... via famílias sorrindo em lanchonetes e na hora de pagar a conta, via a infelicidade do marido ao saber que o dinheiro não estava sobrando e que eles deveriam comer em casa. Via a infelicidade do palhaço ao acabar sua apresentação, suado, depois de um dia inteiro de tentativas de fazer os outros sorrirem, vendo que no chapéu, havia havia pouco mais que alguns trocados.
- Onde está a alegria? Pensou a menina.
-Queria  poder alcançá-la algum dia, mas tenho medo de cair lá de cima enquanto tentar pegá-la...
Enquanto pensava, viu um velho em pé esperando para descer...
Alice olhou fixamente aquele senhor e pensou.
- Essa é a pessoa mais triste que eu já vi. Não se sentiu só... sentiu-se até melhor com isso.